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Skinny Labeling e a RDC 831/2023 da ANVISA. Estratégias Legais para a Indústria de Genéricos Evitar a Indução de Infração de Patente

por Marcello Ávila Nascimento

I. O Novo Cenário Regulatório

A indústria farmacêutica brasileira alcançou, no final de 2023, um marco regulatório significativo com a aprovação da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 831/2023 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Essa norma, que alterou a RDC 47/2009, autorizou oficialmente a prática de “Skinny Labeling” (Rotulagem Reduzida) no país.

O Skinny Labeling permite que fabricantes de medicamentos genéricos e similares excluam (“carve out”) de suas bulas as indicações terapêuticas do medicamento de referência que ainda estão protegidas por patentes de segundo uso (método de uso).

O objetivo é claro: promover a concorrência e o acesso a medicamentos mais baratos para as indicações cujas patentes já expiraram, sem incorrer em infração das patentes remanescentes. No entanto, a experiência internacional, notadamente a jurisprudência americana, demonstra que a mera aprovação regulatória não é um “porto seguro” contra litígios. O maior risco migra da bula para as ações de marketing, onde se concentra o perigo de indução de infração de patente e, consequentemente, concorrência desleal.

II. Origem e Regulação no Exterior: O Modelo Hatch-Waxman

A prática de Skinny Labeling tem sua origem no direito dos Estados Unidos, estabelecida pelo Drug Price Competition and Patent Term Restoration Act de 1984, mais conhecido como Ato Hatch-Waxman.

Nos EUA, a aprovação de um medicamento genérico é feita por meio de um processo simplificado (ANDA), no qual o fabricante de genérico deve se manifestar sobre as patentes do medicamento de referência listadas no Orange Book. A disposição de Skinny Labeling permite que o fabricante do genérico faça uma certificação de “parágrafo VIII” (Section viii) junto à FDA, declarando que não buscará aprovação para a indicação terapêutica ainda patenteada.

Este mecanismo foi concebido para um equilíbrio delicado:

  • Proteção à Inovação: Garante que o medicamento de marca mantenha sua exclusividade para a nova indicação patenteada.
  • Acesso e Concorrência: Permite que o genérico entre rapidamente no mercado para os usos não patenteados, reduzindo custos para o sistema de saúde.

É fundamental entender que, nesse modelo, o Skinny Labeling é um direito legal de busca pela concorrência; não é, em si, um ato de concorrência desleal. O problema surge na sua execução mercadológica.

III. O Risco Central: Indução de Infração de Patente (Jurisprudência Americana)

A principal ameaça legal ao Skinny Labeling decorre do conceito de Infração Induzida de Patente (Induced Infringement). A Lei de Patentes dos EUA determina que qualquer parte que ativamente induza outra a infringir uma patente será responsável pela infração.

O caso mais emblemático que molda o risco globalmente é o GlaxoSmithKline LLC v. Teva Pharmaceuticals USA, Inc. (2020/2021). A Teva, fabricante do genérico, havia utilizado o Skinny Labeling para remover a indicação patenteada (insuficiência cardíaca congestiva — CHF). No entanto, a Justiça considerou que a Teva foi culpada por indução de infração com base em evidências circunstanciais, tais como:

  • Comunicação do Marketing: O uso de comunicados de imprensa e catálogos que se referiam ao produto genérico como “AB-rated” (equivalente terapêutico) à marca, sugerindo o uso intercambiável para todas as indicações.
  • Referências Implícitas: O rótulo “recortado” da Teva mantinha uma indicação que foi considerada intrinsecamente ligada ao uso patenteado, tornando o carve-out
  • Intenção Específica: O tribunal concluiu que as ações de marketing demonstravam uma intenção específica de que o medicamento fosse prescrito para o uso patenteado.

A lição é clara: o fabricante de genérico só está protegido se conseguir demonstrar que suas ações de mercado refletem estritamente a indicação não patenteada aprovada na bula.

IV. O Skinny Labeling no Brasil Pós-RDC 831/2023

A RDC 831/2023 estabelece que a bula do genérico (tanto a do paciente quanto a do profissional de saúde) poderá divergir da bula padrão do medicamento de referência, mas exige a inclusão de uma frase obrigatória em destaque (negrito):

“Foram suprimidas as informações que se referem às indicações do medicamento protegidas por patente.”

Implicações no Litígio Brasileiro:

  1. Proteção Regulatória: A RDC 831/2023 concede ao fabricante de genérico uma defesa regulatória mais forte, pois não há mais a obrigação de ter uma bula idêntica, eliminando a bula como prova direta de infração.
  2. Foco na Concorrência Desleal: O litígio se moverá do campo da infração direta (onde a bula idêntica era a prova) para o campo da infração por indução, do dolo e da concorrência desleal, tal como ocorre nos EUA.
  3. Provas Circunstanciais: As empresas inovadoras buscarão provar que o fabricante do genérico, através de suas comunicações, está ativamente incentivando médicos e pacientes a desrespeitar o carve-out e a usar o medicamento na indicação patenteada.

V. Estratégias para Evitar a Concorrência Desleal e a Indução

Para que a indústria de genéricos brasileira aproveite a RDC 831/2023 sem cair nas armadilhas da jurisprudência global, é essencial estabelecer um protocolo de compliance de mercado rigoroso. As seguintes estratégias são cruciais para mitigar o risco:

Área de Risco Diretriz de Compliance Risco (Baseado em EUA)
Bulas e Rótulos Garantir que a frase de supressão da ANVISA esteja sempre em negrito e visível, conforme a RDC. Realizar uma análise técnica-legal para garantir que a indicação não patenteada que permaneceu na bula não seja inseparável do uso patenteado. O carve-out é considerado “ineficaz” e, portanto, instrutivo de infração.
Comunicações Externas Evitar qualquer menção ao nome comercial do medicamento de referência em comunicados de imprensa, catálogos e anúncios, a menos que seja estritamente necessário para referências regulatórias. Não citar o volume de vendas ou a receita total do produto de referência, pois isso sugere intenção de capturar o mercado patenteado. Intenção específica de induzir a prescrição para o uso patenteado (mesmo que implícita).
Força de Vendas/Treinamento Treinar a força de vendas para promover ativamente APENAS os usos não patenteados do produto. Proibir expressamente que materiais internos de treinamento façam referência aos estudos clínicos ou aos benefícios para a indicação patenteada. Uso de materiais internos como evidência de dolo ou intenção de induzir a infração por meio da equipe comercial.
Métricas de Mercado Evitar o uso do termo “equivalente terapêutico” ou “genérico AB” sem uma ressalva clara de que a intercambialidade se aplica apenas aos usos não patenteados. Ações que levam o médico a crer que o medicamento pode ser prescrito para todos os usos da marca.

 

VI. Conclusão: Navegando com Cautela no Novo Ambiente

A RDC 831/2023 representa um avanço significativo para a política pública de acesso a medicamentos no Brasil. Ao adotar o Skinny Labeling, a ANVISA reforça o equilíbrio entre a proteção da propriedade intelectual e a promoção da concorrência.

No entanto, a experiência internacional demonstra que a legalidade de um rótulo não garante a legalidade da sua comercialização. O fabricante de genéricos brasileiro agora opera em um ambiente regulatório mais permissivo, mas em um cenário de risco jurídico maior e mais complexo. A defesa contra a concorrência desleal e a violação de patentes dependerá, crucialmente, da clareza, da consistência e da diligência com que a indústria gerencia as informações de mercado e as comunicações sobre os usos do seu produto.

A partir de agora, a batalha judicial não estará na bula, mas nas ruas, nas estratégias de marketing e nos gabinetes de compliance.

Referências:

1. BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 maio 1996.

2. Site oficial do escritório Ávila Nascimento Advocacia. Disponível em: https://avilanascimento.adv.br/#informativos. Acesso em 2024.

3. KLUWER PATENT BLOG. ANVISA approves skinny labeling in Brazil. Wolters Kluwer, 7 dez. 2023. Disponível em: https://legalblogs.wolterskluwer.com/patent-blog/anvisa-approves-skinny-labeling-in-brazil/. Acesso em: 2024.

4. NATIONAL INSTITUTES OF HEALTH (NIH). Generic Drugs and the Struggle to Compete: The Role of Skinny Labels. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC11963906/. Acesso em: 2024.

5. TRENCH ROSSI WATANABE. Anvisa aprova a prática do skinny labeling no Brasil. Trench Rossi Watanabe, 15 dez. 2023. Disponível em: https://www.trenchrossi.com/alertas-legais/anvisa-aprova-a-pratica-do-skinny-labeling-no-brasil/. Acesso em: 2024.

FAQ Skinny Labeling

Sim. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) autorizou a prática no Brasil através da RDC nº 831/2023, que alterou a RDC 47/2009. A norma permite que as bulas de genéricos e similares divirjam da bula padrão, desde que a frase obrigatória "Foram suprimidas as informações que se referem às indicações do medicamento protegidas por patente" seja incluída em destaque.

O principal risco legal é a acusação de Indução de Infração de Patente. Embora a bula esteja legalmente "recortada", o fabricante do genérico pode ser processado se houver provas de que suas ações de marketing e comunicação demonstram intenção específica de incentivar a prescrição ou o uso do medicamento para a indicação patenteada que foi suprimida.

O caso americano GlaxoSmithKline LLC v. Teva é o principal precedente global sobre o tema. Nele, a Teva (genérica) perdeu a disputa, pois a Justiça considerou que, apesar de o rótulo ter sido recortado (legal), suas comunicações de marketing e publicidade (referência ao produto como "AB-rated", por exemplo) configuraram evidência circunstancial de indução de infração, provando a "intenção específica" de infringir.

Para evitar a concorrência desleal e a indução de infração pós-RDC 831/2023, as empresas genéricas devem:

  • Evitar referenciar o nome comercial ou o volume de vendas total do medicamento de referência.
  • Proibir a força de vendas de promover o medicamento para o uso patenteado suprimido (carve-out).
  • Garantir que todas as comunicações se refiram apenas às indicações terapêuticas não patenteadas aprovadas na bula reduzida.

Não. O Skinny Labeling apenas remove a bula como prova direta e inequívoca da infração. No entanto, o litígio se torna mais complexo, migrando para o campo da infração por indução, onde as empresas inovadoras buscarão provar o dolo e a intenção específica do fabricante de genérico através de evidências de mercado, marketing e comunicações internas.

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