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O Enforcement de Propriedade Intelectual (PI) na Indústria da Moda: Vigilância 360º

por Marcello Ávila Nascimento

Pelo artigo Fashion Law vimos os institutos legais mais adequados à proteção de ativos de PI, incluindo uma análise comparativa Brasil, EUA, EU. A partir desta base legal estabelecida (Múltipla Proteção), o sucesso no combate à pirataria e à concorrência desleal depende da implementação de uma vigilância em três frentes estratégicas: Digital, Portuária e Regulatória.

O alto valor agregado da marca e a velocidade da cópia exigem que o enforcement seja proativo e multifacetado, agindo antes que o dano ao valor de mercado se consolide.

I. Vigilância Digital: O Combate à Pirataria no E-commerce e Metaverso

A vigilância digital é a linha de frente do enforcement moderno, pois a maioria das cópias (knock-offs) e falsificações (counterfeits) são vendidas e promovidas através de plataformas online e mídias sociais.

A. Mecanismos de Ação

  1. Monitoramento de Marketplaces e Redes Sociais:
    • Procedimento: Utilização de softwares e inteligência artificial para rastrear, 24 horas por dia, vendas não autorizadas que utilizam a marca, o logo ou o trade dress da empresa (e.g., tênis com o Swoosh da Nike sendo vendidos por terceiros).
    • Ação: Emissão de Notificações de Retirada (Take-Down Notices) diretamente às plataformas (Amazon, Mercado Livre, Shopee, Instagram). Muitas plataformas possuem programas de proteção à marca que facilitam esse processo.
  2. Combate ao Cybersquatting e Domain Grabbing:
    • Foco: Recuperação de nomes de domínio (URL) que usam a marca de forma indevida (e.g., https://www.google.com/search?q=lojanikedeofertas.com).
    • Ação: Utilização de procedimentos administrativos, como a Política Uniforme de Solução de Controvérsias Relativas a Nomes de Domínio (UDRP), para rápida transferência do domínio sem necessidade de litígio judicial.
  3. Vigilância do Metaverso e NFTs:
    • Desafio: Garantir que a proteção da marca, registrada para produtos físicos, seja estendida aos bens virtuais.
    • Ação: Como demonstrado no caso Hermès vs. MetaBirkins, monitorar a venda de NFTs e bens digitais que copiem o Trade Dress ou o nome da marca, utilizando o princípio de que o consumidor será confundido quanto à afiliação ou patrocínio.
  4. Notificações Extrajudiciais (Cease and Desist Letters):
  • Foco: Ação rápida e direta contra concorrentes identificados que estão copiando o design (protegido por Desenho Industrial ou Copyright) ou imitando o Trade Dress.
  • Procedimento: O advogado de PI envia uma notificação formal (e muitas vezes extrajudicialmente registrada em Cartório) ao concorrente desleal, exigindo que ele cesse imediatamente a produção e a venda dos produtos infratores.
  • Eficácia: Esta é frequentemente a medida mais econômica e rápida, pois demonstra ao concorrente a intenção séria de litígio, pressionando-o a retirar os produtos antes que a marca precise ingressar com uma custosa ação judicial de busca e apreensão.

II. Vigilância Portuária (Aduaneira): Bloqueio na Fronteira

A vigilância portuária é crucial para impedir que grandes volumes de mercadorias falsificadas entrem no território nacional, atacando a pirataria em sua origem. No Brasil, essa fiscalização é realizada pela Receita Federal (RFB).

A. Procedimentos Práticos (Medidas de Fronteira)

  1. Adesão ao Sistema de Combate à Pirataria (SCP):

O funcionamento do SCP é dividido em três fases essenciais: Registro, Suspeita e Ação.

Fase Ação do Titular de PI / RFB Detalhamento
A. Registro (Proativo) O Advogado de PI/Titular cadastra os direitos no SCP. O profissional de PI (Advogado ou Agente) envia a documentação que comprova a titularidade dos direitos no Brasil (registros de Marca, Desenho Industrial, etc.). Nesta fase o INPI interage indiretamente, pois a RFB exigirá os Certificados de Registro válidos emitidos pelo INPI como prova da titularidade.
B. Vigilância e Suspeita (RFB) A RFB inspeciona as cargas e usa os dados cadastrados. Os fiscais e analistas da RFB utilizam as informações fornecidas (principalmente as “Dicas de Inspeção” ou Know-How) para identificar carregamentos suspeitos. A RFB não atua apenas em denúncia, mas também na inspeção de rotina. O sistema permite um cruzamento de dados para identificar cargas com origem ou características de risco.
C. Retenção e Notificação (Ação) A Receita Federal retém a carga e notifica o titular. Havendo “fundada suspeita” de violação (e.g., a mercadoria imita a marca registrada no SCP), a RFB a retém e suspende o despacho aduaneiro. O Titular de PI (o Advogado cadastrado no SCP) é formalmente notificado para se manifestar e comprovar a falsificação.
D. Inspeção e Perícia (Titular/Advogado) O Advogado e o perito do Titular de PI inspecionam a carga. Esta é a etapa mais crítica para o Head de PI. O Titular tem um prazo legal (geralmente 10 dias úteis, prorrogáveis) para: a) inspecionar a carga retida e b) fornecer um Laudo Técnico (Perícia) confirmando a contrafação. Se o laudo for favorável, a RFB prossegue com a penalidade.
E. Decisão e Destinação Aplicação da pena e destinação da mercadoria. Se a falsificação for confirmada, o importador é autuado. A pena é o Perdimento (a perda da mercadoria para a União). O produto falsificado é então destruído, leiloado para fins não comerciais (e.g., doação para instituições de caridade após retirada do logo), ou incorporado ao patrimônio público, conforme a legislação.

III. Vigilância Regulatória: Combate ao Greenwashing e Publicidade Enganosa

A vigilância regulatória não combate a cópia direta, mas sim as práticas que prejudicam a reputação da marca e a concorrência leal, em especial a fraude da sustentabilidade.

A. Foco na Publicidade e no Compliance

  1. Combate ao Greenwashing:
    • Ação: Monitoramento e denúncia de concorrentes ao CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) por alegações ambientais vagas ou infundadas.
    • Fundamento: Exigir que as alegações de sustentabilidade na moda sigam os princípios de Veracidade, Exatidão e Limites do Anexo “U” do Código do CONAR. Isso protege marcas Slow Fashion que fazem investimentos ambientais legítimos de serem prejudicadas por Fast Fashion que apenas vendem uma imagem sustentável.
  2. Vigilância de Rotulagem e Composição:
    • Regulamentação: Monitorar se os concorrentes cumprem as normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e do INMETRO sobre rotulagem e composição de tecidos. A informação incorreta sobre o material pode configurar publicidade enganosa.
  3. Vigilância de Trade Dress (Concorrência Desleal):
    • Ação: O acompanhamento regulatório das práticas de mercado dos concorrentes para identificar a apropriação indevida do conjunto-imagem, layout de loja, ou elementos visuais distintivos que possam ser enquadrados como concorrência desleal (como no caso Cat).

Em suma, o enforcement bem-sucedido na moda é um esforço conjunto que utiliza a agilidade do Direito Digital, a barreira da Aduana e a pressão regulatória sobre a ética publicitária e de mercado.

A experiência do enforcement da Lululemon

 O caso Lululemon é um exemplo clássico e um dos mais ativos em Fashion Law (Direito da Moda), especialmente no que diz respeito à proteção de Propriedade Intelectual (PI) e o combate à cultura das “cópias” (dupes).

Lululemon adota uma postura agressiva e estratégica no enforcement de seus direitos, utilizando um arsenal de ferramentas legais que vão além da simples marca, com destaque para a proteção por Design Patents (semelhante ao Desenho Industrial quanto ao objeto da proteção) e Trade Dress.

A Estratégia de Design Patents da Lululemon

Enquanto a maioria das peças de vestuário é difícil de proteger sob as leis de direitos autorais ou patentes de utilidade nos EUA, Lululemon tem se destacado ao investir pesadamente na obtenção de Design Patents (semelhante ao Desenho Industrial quanto ao objeto da proteção) para as características ornamentais e não funcionais de suas roupas.

Uma design patent protege a aparência visual única (o design ornamental) de um item de manufatura, e não sua utilidade.

1. O Exemplo Clássico: A Batalha das Calças de Yoga (Lululemon vs. Calvin Klein)

  • A Disputa: Em 2012, a Lululemon processou a Calvin Klein por violação de design patent de suas calças de yoga, notavelmente o design cruzado exclusivo que criava um cós distintivo (o famoso Astro Pant).
  • O Significado no Fashion Law: Este caso foi emblemático porque demonstrou que, mesmo em um item tão comum quanto uma calça de yoga, elementos de design específicos poderiam ser protegidos. A Lululemon não estava protegendo o conceito de “calça de yoga”, mas sim o desenho ornamental e a forma como o tecido era configurado para criar a aparência visual da peça. O caso foi resolvido por acordo confidencial, mas enviou uma mensagem clara à indústria: a Lululemon levaria a sério a defesa de seus designs.

2. O Caso Recente: Lululemon vs. Costco (O Combate aos Dupes)

Mais recentemente, a Lululemon tem se envolvido em ações judiciais contra varejistas de grande porte que vendem produtos semelhantes a preços mais baixos, conhecidos como dupes (cópias).

  • A Disputa: A Lululemon processou a Costco, alegando que a varejista estava vendendo versões “quase idênticas” de seus produtos icônicos, como o moletom SCUBA® Hoodie e o casaco DEFINE® Jacket.
  • O Arsenal Legal: A empresa não se limitou a uma única reivindicação, mas usou um conjunto de proteções de PI:
    • Design Patent: Para proteger os recursos ornamentais específicos do design, como o formato do capuz, a colocação de costuras ou os detalhes do zíper do moletom SCUBA®.
    • Trade Dress: Para proteger o “conjunto de imagens” (look and feel) da embalagem ou da própria linha de produtos, se o design geral for reconhecido pelo consumidor como identificador da marca Lululemon.
    • Marca Registrada (Trademark): Além do nome da marca, a Lululemon registrou nomes de estilos (como SCUBA®) e até nomes de cores (“Tidewater Teal”), alegando que o uso desses nomes pela Costco gerava confusão ao consumidor.
  • O Impacto: Este caso recente ilustra a complexidade da proteção na moda. A Lululemon busca demonstrar que a cópia não apenas imita o design, mas também se aproveita da reputação da marca, enganando os consumidores que associam as características ornamentais específicas à qualidade e origem Lululemon.

Em suma, o enforcement de Propriedade Intelectual na moda transcendeu a reatividade do litígio, tornando-se uma disciplina estratégica, proativa e multifacetada. O sucesso em proteger o alto valor agregado das marcas, como demonstrado pela postura agressiva da Lululemon com suas Patentes de Desenho, reside na integração de uma Vigilância 360º.

Ao unir a agilidade do Direito Digital (com Take-Down Notices e UDRP), a barreira crítica da Vigilância Portuária (bloqueio aduaneiro via SCP da Receita Federal), e a pressão regulatória contra a concorrência desleal e o Greenwashing, as empresas de fashion estabelecem um perímetro legal robusto. Este esforço conjunto é essencial para preservar a inovação, a reputação da marca e a confiança do consumidor em um mercado de cópias rápidas e fronteiras virtuais.

Restando dúvidas envie um e-mail para inpi@avilanascimento.adv.br, ou entre em contato pelo telefone (21) 3208-3838 ou pelo WhatsApp (21) 97272-8787.

Referências:

BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 maio 1996.

Site oficial do escritório Ávila Nascimento Advocacia. Disponível em: https://avilanascimento.adv.br/#informativos. Acesso em 2025.

BRASIL. Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Anexo “U” – Publicidade com Apelo de Sustentabilidade. Disponível em: https://www.conar.org.br/codigo/. Acesso em: nov. 2025.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências (Código de Defesa do Consumidor – CDC). Diário Oficial da União, Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: nov. 2025.

BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial (LPI). Diário Oficial da União, Brasília, DF. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm. Acesso em: nov. 2025.

INTERNET CORPORATION FOR ASSIGNED NAMES AND NUMBERS (ICANN). Uniform Domain Name Dispute Resolution Policy (UDRP). Disponível em: https://www.icann.org/resources/pages/udrp-2015-03-13-en. Acesso em: nov. 2025.

RECEITA FEDERAL DO BRASIL (RFB). Sistema de Combate à Pirataria (SCP). Instruções e procedimentos Aduaneiros. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/aduana-e-comercio-exterior. Acesso em: nov. 2025.

BURACK, Alissandra. Is Fashion an Art Form That Should Be Protected or Merely a Constantly Changing Media Encouraging Replication of Popular Trends. Jeffrey S. Moorad Sports L.J., Villanova, PA, v. 17, n. 3, p. 605-625, 2010. Disponível em: https://digitalcommons.law.villanova.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1047&context=mslj. Acesso em: nov. 2025.

CORNASSINI, G.; GONÇALVES, M. F. B. F. Novos enquadramentos da propriedade para redução de custos de transação non-fungible tokens (NFT). Revista Jurídica Cesumar – Mestrado, Maringá, v. 24, n. 2, p. 411-432, maio/ago. 2024. Disponível em: https://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revjuridica/article/download/12779/7860. Acesso em: nov. 2025.

SCAFIDI, Susan. Lululemon trademarks ‘Lululemon dupe’ in the U.S., in latest lookalike crackdown. Entrevista a Jennifer Massy. CBC News, 26 out. 2025. Disponível em: https://www.cbc.ca/news/business/lululemon-dupes-trademark-9.6952564. Acesso em: nov. 2025.

FAQ Enforcement de PI na Moda

Os três pilares estratégicos são: Vigilância Digital (combate no e-commerce e redes sociais), Vigilância Portuária (bloqueio de falsificados na alfândega) e Vigilância Regulatória (combate a greenwashing e publicidade enganosa).

A Lululemon utiliza uma postura agressiva, focando na proteção por Patentes de Desenho (Design Patents) e Trade Dress. Como ocorre com o Desenho Industrial no Brasil, a Design Patent protege a aparência visual e os elementos ornamentais, e não a função da peça.

É uma Notificação de Retirada emitida diretamente às plataformas online (marketplaces, redes sociais) para remover vendas não autorizadas que utilizam a marca, logo ou trade dress.

O titular de PI cadastra seus direitos no Sistema de Combate à Pirataria (SCP) da Receita Federal. Havendo suspeita de violação, a RFB retém a carga e notifica o titular para inspecionar e comprovar a falsificação por meio de Laudo Técnico (Perícia).

Principalmente o Greenwashing (alegações ambientais vagas ou infundadas) e a publicidade enganosa, garantindo a veracidade e exatidão das alegações de sustentabilidade e a correta rotulagem de composição.

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