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Inteligência Artificial no INPI: Onde Termina o Código e Começa a Invenção?

por Marcello Ávila Nascimento

A Inteligência Artificial (IA) deixou rapidamente de ser um elemento de ficção científica para se tornar o ativo central de valor das empresas modernas. Do agronegócio à indústria farmacêutica, algoritmos estão acelerando descobertas que levariam décadas para ocorrerem por métodos tradicionais.

No entanto, para o inventor e para a empresa que investe milhões em P&D, surge uma insegurança jurídica fundamental: como proteger uma criação que, em tese, “pensa” sozinha?

O sistema de patentes global foi desenhado para a Era Industrial, focado em máquinas e inventores humanos. Mas a adaptação para a Era da IA já é uma realidade. Neste artigo, desmistificamos como o INPI e os principais escritórios do mundo estão tratando essas invenções e qual a estratégia correta para proteger seus ativos digitais.

1. A Distinção Vital: Invenção “Assistida” vs. “Gerada” por IA

O primeiro passo para qualquer estratégia de proteção é classificar a tecnologia. Juridicamente, separamos o joio do trigo da seguinte forma:

  • Invenção Assistida por IA: É o cenário mais comum na indústria atual. O engenheiro utiliza uma ferramenta de IA (como um simulador avançado ou um modelo generativo) para otimizar uma peça, descobrir uma molécula ou refinar um código. Aqui, a IA é o “martelo” sofisticado, mas o humano continua sendo o “carpinteiro”. Estas invenções são plenamente patenteáveis.
  • Invenção Gerada por IA: Ocorre quando a máquina recebe um comando genérico (ex: “crie uma antena com melhor recepção”) e entrega o resultado final sem intervenção criativa humana significativa. É aqui que reside o atual bloqueio legal.

2. O Consenso Global e o Caso DABUS (O “Não” aos Robôs)

Recentemente, o mundo jurídico assistiu ao emblemático “Caso DABUS”. O Dr. Stephen Thaler tentou nomear sua inteligência artificial (chamada DABUS) como a única inventora em pedidos de patentes nos Estados Unidos, Europa, Reino Unido e Brasil.

O veredito foi unânime e global: pedidos negados.

Tanto o USPTO (EUA), quanto o EPO (Europa) e o nosso INPI mantiveram o entendimento de que a “concepção mental” é um ato privativo de seres humanos. A lei exige que o inventor seja uma “pessoa natural”. Portanto, se a sua empresa tentar listar uma IA como autora, o pedido será indeferido por falta de legitimidade. A estratégia jurídica deve focar sempre no operador humano que definiu os parâmetros e validou os resultados.

3. Dupla Proteção para Inovação Digital: Código (Direito Autoral) vs. Aplicação (Patente)

Muitos inovadores desistem de proteger suas soluções de IA porque ouvem o mito de que “algoritmo não é patenteável”. Essa percepção ignora a dupla camada de proteção existente no Brasil, ambas gerenciadas pelo INPI:

Modalidade de Proteção O que protege Objetivo principal Legislação
Registro de Software A Expressão Literal do Código-Fonte (como o código foi escrito). Prova de autoria e data de criação, protegendo contra a cópia literal do software. Lei nº 9.609/98 (Lei do Software)
Patente de Invenção A Solução Técnica que o algoritmo entrega (a funcionalidade). Garante exclusividade do uso da invenção (a função) por 20 anos, impedindo que terceiros a utilizem, mesmo reescrevendo o código. Lei nº 9.279/96 (LPI)

O Paralelo Técnico: Algoritmo, Software e APIs

O registro de software (Direito Autoral) é simples e rápido, mas não protege a função técnica da sua IA. Assim, se um concorrente reescrever seu código em outra linguagem, mas usar a mesma lógica inventiva para atingir o mesmo resultado técnico, ele não terá violado seu Direito Autoral.

É por isso que as empresas de tecnologia buscam a Patente de Invenção:

  • Algoritmo de ML: A matemática subjacente não é patenteável. Mas o sistema de controle que usa esse ML para gerenciar, por exemplo, o consumo de bateria de um dispositivo, sim. Não se protege a matemática, mas a solução física ou técnica que ela entrega.
  • APIs e Apps: O código é protegido por registro de software. Mas para blindar a funcionalidade, o INPI exige que a API ou o App demonstre ser uma Invenção Implementada por Computador que resolve um problema técnico inédito e inventivo no mundo físico.

4. Estratégia para LLMs (Large Language Models)

Com a explosão de modelos de linguagem, como proteger empresas que criam soluções baseadas em IA Generativa?

O segredo é fugir da subjetividade. Pedidos de patente que focam na “qualidade do texto gerado” ou na “beleza da imagem” tendem a falhar. O foco deve estar no pipeline tecnológico:

  1. No pré-processamento inovador dos dados;
  2. Na arquitetura de hardware/software que permite que o modelo rode com menos energia;
  3. Na integração técnica do modelo com outros dispositivos.

5. A Regra de Ouro: Documentação da Contribuição Humana

Para evitar que o INPI ou o USPTO aleguem que a invenção foi “feita por um robô”, a governança de P&D é essencial. Recomendamos a manutenção de um “Diário de Invenção”.

As equipes devem registrar quais prompts (comandos) específicos foram utilizados, quais foram os ajustes manuais no código e como o humano selecionou e refinou o output da IA. Essa documentação será a prova de que houve “atividade inventiva humana”, garantindo a titularidade do ativo.

6. ALERTA DE RISCO: A “Criptomnésia” da IA e a Infração Inadvertida

Por fim, um alerta crucial que muitas vezes passa despercebido no entusiasmo da inovação. O uso de IA Generativa no desenvolvimento de produtos traz um risco oculto: a infração inadvertida de patentes.

As IAs são treinadas com bases de dados massivas, que incluem milhões de documentos de patentes públicas. Ocorre um fenômeno similar à “criptomnésia” (memória oculta): a IA pode sugerir uma solução técnica — seja uma peça mecânica ou um trecho de código — que é, na verdade, uma reprodução fiel de uma tecnologia já patenteada por terceiros, sem fornecer a fonte.

No Direito de Patentes, a infração é, via de regra, objetiva (strict liability). Isso significa que alegar “foi a IA que sugeriu, eu não sabia” não isenta a empresa de responsabilidade e do pagamento de indenizações.

Portanto, o uso de IA no P&D não elimina, mas sim aumenta a necessidade de buscas de Liberdade de Operação (Freedom-to-Operate/FTO). Antes de lançar um produto “inventado” com auxílio de IA, é mandatório que um advogado especializado valide se aquela solução não viola direitos de terceiros. A IA acelera a invenção, mas exige diligência redobrada na validação jurídica.

Restando dúvidas envie um e-mail para inpi@avilanascimento.adv.br, ou entre em contato pelo telefone (21) 3208-3838 ou pelo WhatsApp (21) 97272-8787.

Referências:

BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 maio 1996.

Site oficial do escritório Ávila Nascimento Advocacia. Disponível em: https://avilanascimento.adv.br/#informativos. Acesso em 2025.

ABBOTT, Ryan. The Reasonable Robot: Artificial Intelligence and the Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2020.

SUSSKIND, Richard. Tomorrow’s Lawyers: An Introduction to Your Future. 3. ed. Oxford: Oxford University Press, 2023.

INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (INPI). Diretrizes de Exame de Pedidos de Patente Envolvendo Invenções Implementadas por Computador. Resolução PR nº 158, de 28 de novembro de 2016. Disponível em: https://www.gov.br/inpi/pt- br/servicos/patentes/legislacao/legislacao/resolucoes/resolucao-158-2016-diretrizes-iic-versao-final-clean-1-1.pdf. Acesso em: nov. 2025.

INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (INPI). Manual de Uso de IA Generativa no Exame de Patentes. 2025. Portaria/INPI/DIRPA nº 05, de 30 de maio de 2025.

UNITED STATES PATENT AND TRADEMARK OFFICE (USPTO). Inventorship Guidance for AI-Assisted Inventions. Federal Register, v. 89, n. 29, p. 10043-10051, 13 fev. 2024. Disponível em: https://www.federalregister.gov/documents/2024/02/13/2024-02623/inventorship-guidance-for-ai-assisted-inventions. Acesso em: nov. 2025.

UNITED STATES COURT OF APPEALS FOR THE FEDERAL CIRCUIT. Thaler v. Vidal. No. 21-2347 (Fed. Cir. 2022). Disponível em: https://cafc.uscourts.gov/opinions-orders/21-2347.OPINION.8-5-2022_1988142.pdf. Acesso em: 20 nov. 2025.

WORLD INTELLECTUAL PROPERTY ORGANIZATION (WIPO). WIPO Technology Trends 2019: Artificial Intelligence. Geneva: WIPO, 2019. Disponível em: https://www.wipo.int/edocs/pubdocs/en/wipo_pub_1055.pdf. Acesso em: 20 nov. 2025.

FAQ: Inteligência Artificial e Patentes no INPI

Não. O consenso global, ratificado pelo INPI (Brasil), USPTO (EUA) e EPO (Europa), é que a condição de inventor é restrita a pessoas naturais (seres humanos). Casos famosos, como o do sistema DABUS, firmaram o entendimento de que máquinas, por mais autônomas que sejam, não possuem personalidade jurídica para deter direitos de propriedade intelectual. O inventor listado deve ser sempre o humano que operou, treinou ou dirigiu a IA.

Se a IA foi utilizada como uma ferramenta de assistência (o que chamamos de "Invenção Assistida por IA"), a titularidade pertence à pessoa ou empresa que realizou o input criativo, definiu os problemas a serem resolvidos e validou os resultados. Para garantir essa titularidade, é fundamental documentar a contribuição humana no processo (prompts, ajustes de código e testes), diferenciando o trabalho humano do processamento da máquina.

Sim, deve ser feito. O algoritmo de Machine Learning (ML) tem uma dupla proteção no INPI:

  1. Registro de Software (Direito Autoral): Você deve registrar o código-fonte no INPI. Isso prova a autoria e protege a expressão literal do código contra cópias.

  2. Patente de Invenção (LPI): Para proteger a ideia e a função técnica do algoritmo (o que ele faz), é necessário um pedido de patente que demonstre que a aplicação do ML resolve um problema técnico de forma nova e inventiva.

Em resumo, o registro de software protege o como foi feito, e a patente protege o que foi inventado.

O principal risco é a infração inadvertida de patentes (patent infringement). Como as IAs generativas são treinadas com bases de dados públicas que incluem patentes existentes, elas podem sugerir soluções técnicas que já pertencem a terceiros, sem avisar a fonte. Se sua empresa utilizar essa solução, pode ser processada por infração, mesmo que não tenha tido a intenção de copiar. Por isso, buscas de Liberdade de Operação (FTO) são indispensáveis ao usar IA no P&D.


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