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“Trade Dress” e Monopólio perpétuo: Quando a Imagem Estende a Vida dos Direitos de Propriedade Industrial

 

O conceito de “Trade Dress”, ou Conjunto-Imagem, emerge como um poderoso instrumento de proteção da propriedade industrial, indo além das marcas e patentes tradicionais. Contudo, sua aplicação levanta um debate crucial: a tutela do Trade Dress pode, artificialmente, prorrogar o prazo de exclusividade de invenções e criações cujo registro (como marca ou desenho industrial) já se extinguiu?

O Que é Trade Dress (Conjunto-Imagem)?

O Trade Dress é o “visual comercial” ou a “imagem total” de um produto, serviço ou estabelecimento. É o conjunto de elementos distintivos que, vistos em conjunto, levam o consumidor a associar aquele produto/serviço a uma única fonte.

O conceito de Trade Dress é protegido pela Lei Lanham (Seção 43(a), 15 U.S.C. § 1125(a)) e é tratado como um tipo de marca. Não protege apenas o nome (marca nominativa) ou o logotipo, mas sim o “overall look and feel” (o visual e a sensação total) de um produto ou de sua embalagem.

A Origem da Tutela

Nos Estados Unidos, o Trade Dress é protegido sob a Lei Lanham (Lei Federal de Marcas), sendo considerado uma forma de marca. Elementos como tamanho, forma, cor ou combinação de cores, textura, gráficos e até mesmo o estilo de serviço podem compor o Trade Dress.

  • Definição: O “total image” ou “overall appearance” de um produto ou embalagem, que serve para identificar a sua origem.
  • Requisitos de Proteção (Leading Cases – Taco Cabana): Para ser tutelado, o Trade Dress deve ser distintivo e não funcional.
  1. Distintividade: O conjunto deve ser inerentemente distintivo ou ter adquirido Secondary Meaning (Significado Secundário), ou seja, os consumidores passaram a associar aquele visual a uma única fonte.
  2. Não Funcionalidade: O aspecto não pode ser essencial para o uso ou propósito do produto, ou afetar o seu custo ou qualidade. Esta é a principal barreira para evitar o monopólio perpétuo de inovações técnicas.

Jurisprudência Brasileira: Concorrência Desleal

No Brasil, embora não haja uma lei específica para o Trade Dress, a sua proteção é amplamente reconhecida pela doutrina e jurisprudência, fundamentalmente ancorada na repressão à Concorrência Desleal (Lei de Propriedade Industrial – LPI, Art. 195, III) e no princípio constitucional da livre concorrência.

  • Definição: O “conjunto-imagem” ou “vestimenta” que individualiza um produto, serviço ou empresa.
  • Base Legal: Tutela-se o Trade Dress para coibir atos de confusão ou associação indevida, ou o emprego de meios fraudulentos para desviar clientela de um concorrente.
  • Exemplos Notórios: O visual inconfundível das embalagens de certos refrigerantes, a forma de garrafas famosas, ou o design de certos estabelecimentos de fast-food.

O Dilema da Extensão Ilimitada: Marcas e Desenhos Expirados

A problemática central reside na capacidade de o Trade Dress, diferentemente das marcas e desenhos industriais, oferecer uma proteção potencialmente perpétua (enquanto o conjunto for distintivo e não funcional).

Quando o registro de um Desenho Industrial expira (com prazo máximo de 25 anos no Brasil, por exemplo), o design cai em domínio público. O mesmo ocorre com marcas que são extintas por caducidade, renúncia, etc. O intuito é permitir que a sociedade utilize livremente o que já foi protegido por um tempo limitado.

No entanto, o titular original pode tentar invocar a proteção do Trade Dress para impedir a cópia de um design ou forma que já está em domínio público, alegando que o visual, mesmo após o vencimento do registro, adquiriu Secondary Meaning (Significado Secundário) e a cópia geraria confusão no consumidor.

O Caso dos Decantadores de Vinho: Um Estudo de Caso

Estudo sobre decantadores de vinho ilustra perfeitamente este conflito. Determinados designs de decantadores, após o vencimento de suas patentes de design (desenhos industriais, no Brasil), poderiam ser protegidos indefinidamente como Trade Dress, desde que se comprove que a forma do decantador se tornou um indicador de origem (e não meramente estético ou funcional).

A crítica:

Se a proteção do Trade Dress for concedida a elementos que são ou foram objeto de patentes de design (no Brasil: desenhos industriais) expiradas, ela efetivamente anula o prazo de limitação imposto pelo sistema de patentes, criando um monopólio de fato por tempo indeterminado.

Functionality Doctrine

Para evitar essa extensão inconstitucional do monopólio, o requisito da Não Funcionalidade é grande aliado no sistema americano.

  • Regra: Se o design do produto (sua “configuração”) é primariamente funcional (ou seja, dita pela utilidade, eficiência, custo ou qualidade técnica), ele não pode ser protegido como Trade Dress.
  • Exceção: Apenas aspectos arbitrários e ornamentais do design, que não contribuem para a utilidade do produto, podem ser tutelados como Trade Dress.

O Trade Dress é uma ferramenta valiosa para combater a concorrência desleal e proteger a identidade visual de empresas. Contudo, ele deve ser aplicado com cautela. A linha entre proteger a imagem da marca e conceder um monopólio perpétuo sobre um design ou forma já em domínio público é tênue.

A doutrina da Não Funcionalidade é a chave para garantir que o Trade Dress cumpra sua função de indicador de origem, sem desvirtuar os prazos de limitação estabelecidos pelo Direito de Propriedade Industrial para marcas e desenhos industriais expirados. A função primária do Trade Dress é identificar a fonte, não perpetuar a exclusividade do design.

O Caso “Oreo vs. Futurinhos Black”: Os Limites do Trade Dress no Mercado de Biscoitos

Para ilustrar o dilema da proteção do Trade Dress no Brasil e a importância do conceito de “funcionalidade” (E.U.A.) e “distintividade” (BR.) em um mercado saturado, o conflito envolvendo as embalagens dos biscoitos Oreo e Futurinhos Black (ou similares) é paradigmático como o do limpador VEJA.

Este caso, que tramitou em diversas instâncias, incluindo o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ/PR), coloca em xeque a extensão do conjunto-imagem em um nicho de produto onde certos elementos visuais já se tornaram um “padrão de mercado”.

O Confronto de Embalagens no Brasil

A empresa detentora da marca mundial Oreo (um biscoito de chocolate com recheio de baunilha, tradicionalmente conhecido por sua embalagem azul e branca) ingressou com ação contra a fabricante do biscoito Futurinhos Black, alegando concorrência desleal por violação de seu Trade Dress.

Os Elementos Visuais em Disputa

O cerne da disputa era a semelhança entre as embalagens, que continham:

  1. Esquema de Cores: Predominância de azul e branco.
  2. Imagem do Produto: Biscoitos de cor escura com recheio branco.
  3. Gráficos: Uso de elementos como um “splash” de leite ou recheio.

A alegação era que a combinação desses elementos criava uma confusão visual no consumidor, levando-o a associar indevidamente o produto concorrente à marca estabelecida, ou a crer que se tratava de um produto da mesma origem.

A Decisão do Judiciário: O “Padrão de Mercado”

Ao analisar o caso, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ/PR), em decisão que suspendeu a liminar de interrupção da venda do concorrente, introduziu uma perspectiva crucial que limita a proteção do Trade Dress em mercados específicos:

A Tese da Vulgarização/Padrão de Mercado:

Os julgadores observaram que, no nicho de biscoitos “sanduíche” de chocolate com recheio de baunilha, o uso das cores azul e branco, a disposição dos gráficos e a imagem do produto já se tornaram um padrão genérico ou “vulgarizado” de mercado.

Neste cenário, a mera utilização desses elementos comuns não bastaria para configurar concorrência desleal ou violação do Trade Dress, pois eles já servem como fator de identificação da espécie do produto (o que o biscoito é) e não do produtor (quem o fabrica).

Inferências da Decisão:

A proteção ao Trade Dress não pode se estender a elementos que são funcionais ou que se tornaram genéricos e de uso comum no setor. Se a cor ou a forma são esperadas ou necessárias para que o consumidor identifique a categoria do produto (exemplo: azul/branco para biscoito sanduíche; garrafa em forma de bolhas para água com gás), a exclusividade é negada.

O Contraponto Legal: Trade Dress vs. Domínio Público (Revisitado)

Este caso de biscoitos, embora não trate diretamente de um desenho industrial expirado, reforça o princípio de que o Trade Dress não pode ser usado para monopolizar elementos que deveriam estar disponíveis a todos os concorrentes.

Se o design de um produto (o seu “desenho industrial”) ou o formato de uma embalagem já foi objeto de um registro que expirou, e essa forma possui funcionalidade técnica ou genericidade estética setorial, o Judiciário brasileiro, assim como o estadunidense, pode negar a exclusividade sobre seus aspectos visuais demandada sob a proteção do trade dress.

Em última análise, o julgamento no Brasil sobre o Trade Dress exige uma análise fática e pericial (conforme assentado pelo STJ nos REsp. 1.778.910/SP e REsp. 1.591.294/PR), que transcende a mera comparação visual. É preciso provar o risco de confusão e a distintividade do conjunto, garantindo que não se esteja apenas reivindicando o direito de usar cores ou formas que já pertencem ao domínio comum, técnico ou comercial.

Restando dúvidas envie um e-mail para inpi@avilanascimento.adv.br, ou entre em contato pelo telefone (21) 3208-3838 ou pelo WhatsApp (21) 97272-8787.

Referências:

1. BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 maio 1996.

2. ESTADOS UNIDOS. Lanham Act, 15 U.S.C. § 1125(a) (Lei de Marcas, Seção 43(a)). Disponível em https://www.law.cornell.edu/wex/lanham_act. Acesso em: 23 out. 2025.

3. JACKSON, Tyler. Functional Signs and Decanters of Wine: How Trade Dress Protection Unconstitutionally Extends Expired Design Patents. Marquette Intellectual Property Law Review, Milwaukee, v. 18, n. 1, p. 251-280, 2014.

4. Site oficial do escritório Ávila Nascimento Advocacia. Disponível em: https://avilanascimento.adv.br/#informativos. Acesso em 2024.

5. TWO PESOS, INC. v. TACO CABANA, INC. 505 U.S. 763 (1992). Suprema Corte dos Estados Unidos. Julgado em: 26 de junho de 1992. Disponível em: https://www.oyez.org/cases/1991/91-971. Acesso em: 23 out. 2025.

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